Igreja inicia abertura da causa de beatificação do Ir. Giovanni Vaccari, SdC

No último sábado, dia 23 de abril, na Capela do Paço Episcopal da cidade de Palencia (Espanha), foi realizada a abertura do processo de beatificação do Ir. Giovanni Vaccari, SdC, religioso guanelliano que ingressou na congregação Servos da Caridade, em 1933. A solenidade, iniciada às 11h (6h da manhã, em Brasília), conduzida pelo bispo Dom Manuel Herrero Fernández, OSA, e pelo Pe. Bruno Capparoni, postulador da causa de beatificação e canonização, pôde ser acompanhada via online por guanellianos de todo o mundo, através do YouTube.

Batizado Giovanni Vaccari e, posteriormente, chamado carinhosamente de Ir. Juan Vaccari, pelo povo espanhol, ele nasceu no dia 5 de junho de 1913, na comuna de Sanguinetto, província de Verona (Itália). Tornou-se religioso entre os Servos da Caridade (guanellianos) aos 20 anos e viveu uma vida religiosa e santa, em Barza d’Ispra, na cidade de Varese, também na Itália. Mais tarde, prestaria também serviço ao Cardeal Clemente Micara, em Roma.

Solenidade foi conduzida pelo bispo Dom Manuel Herrero Fernández, OSA, e pelo Pe. Bruno Capparoni.

A partir de 25 de outubro de 1965, Giovanni iniciou a última etapa de sua vida, sendo enviado para a Espanha, em Aguilar de Campoo (Palencia), onde, no Colégio San José, foi responsável pela animação vocacional. Reuniu muitos jovens das terras de Castela e Leão (Espanha) e lançou as bases para o futuro desenvolvimento da Congregação dos Servos da Caridade naquele país. No dia 9 de outubro de 1971, faleceu em Palencia, após um trágico acidente de trânsito entre os municípios de Herrera de Pisuerga e Aguilar de Campoo. Com o passar dos anos, sua fama de santidade foi crescendo entre o povo de Deus.

Biografia

Nascido em uma grande família de agricultores, sua infância, junto com outros 14 irmãos, foi desenvolvida em um ambiente de esforço, sacrifício, trabalho duro e uma forte fé que permeava tudo. Desde criança, sabia que não tinha a robustez e a força física de seus irmãos para enfrentar o árduo trabalho do campo. Ele era um adolescente sensível e emotivo para quem a religião fazia parte de todas as horas e de todos os dias. Por esse motivo, a ideia de se tornar padre surgiu de forma espontânea e natural em sua mente. Mas a dificuldade nos estudos era um empecilho. 

Ir. Giovanni queria ser padre.

Já tinha 20 anos quando soube que, no Seminário de Fara Novarese, dos padres guanellianos, acolhia-se também os jovens, e não apenas as crianças. Para lá dirigiu-se em outubro de 1933. Passaram-se apenas algumas semanas quando atingiu o muro de suas limitações nos estudos, especialmente em grego e aritmética. Mas, os superiores perceberam a bondade daquele jovem e, para fazê-lo ficar, propuseram que se tornasse um irmão leigo. Mas Giovanni Vaccari nem quis saber dessa proposta. “Tomei a firme decisão de voltar à aldeia, de trabalhar nos campos com meus irmãos“, contaria mais tarde.

No entanto, quando subiu ao escritório do diretor espiritual, Dom Michele Bacciarini, para se despedir, este perguntou: “E se te fores e perdes tua alma?”. Então, com a simplicidade de uma criança, e com a humildade de um escravo, respondeu: “Então, eu fico”. A partir daquele momento, a vida de Giovanni seria sempre uma “estadia”, isto é, ficar no meio dos outros com obediência, dedicação, humildade e alegria. Ficou entre os guanellianos como irmão leigo, ficou entre os tachos e panelas em Barza, ficou com o cardeal Micara, em Roma, e ficou entre os seminaristas de Aguilar de Campoo.

Fechou seus livros e cadernos, despediu-se do desejo de ser padre e começou sua vida como religioso entre os guanellianos. Ele foi designado para Barza, no norte da Itália, como cozinheiro de uma grande comunidade de seminaristas. Era o ano de 1934. E ali, entre descascar batatas, estufar, fritar, cozinhar massa ou arroz, lavar panelas, pedalar pela cidade e pelos campos à procura de comida, passou 15 anos.

Em meio a esse longo período, teve que enfrentar a Segunda Guerra Mundial. Um tempo de dificuldades e escassez de alimentos, em que o Ir. Giovanni precisava encher os estômagos de mais de uma centena de seminaristas. Ficaram famosas as as “almôndegas”, as quais ele esticava e esticava, e que ninguém sabia do que eram feitas, porque os ingredientes nunca eram os mesmos. 

Era um religioso devoto, com uma vida interior rica, daí o respeito que todos lhe professavam. Mas seu desejo apostólico não se limitava à cozinha. No verão e no inverno, ele ia para o bairro vizinho de Monteggia, para rezar o terço ou uma novena com os paroquianos, mas também para visitar os doentes, levar-lhes a comunhão e ouvir suas vidas e tristezas. Ele ganhou o coração deles, e eles começaram a chamá-lo de “nosso padre”. E quando as orações terminavam, o bom povo de Monteggia colocava um repolho, algumas cebolas, algumas cenouras ou alguns alhos-poró na mochila do Irmão e ele agradecia emocionado. Dessa forma, pela Providência Divina, o Ir. Vaccari ia enchendo os estômagos dos futuros padres guanellianos.

Na Cúria

Em outubro de 1950, o Cardeal Clemente Micara, Vigário do Papa Pio XII para a cidade de Roma, pediu ao Superior Geral dos Guanellianos que enviasse um frade ao Palácio para servi-lo em seus aposentos particulares. Em 24 horas, o Irmão Giovanni passou das panelas e do saco de batatas ao Palácio da Chancelaria, um dos prédios renascentistas mais impressionantes de Roma. Chegou à Cidade Eterna, em 31 de outubro, véspera de Todos os Santos, data marcada para a solene proclamação do dogma da Assunção de Maria ao Céu. Giovanni mal podia esperar para se aproximar da Praça de São Pedro como qualquer outro peregrino, mas quando a procissão do cardeal estava se formando para assistir à cerimônia, este lhe disse: “Você, fique limpando meus quartos”. Giovanni sentiu-se como uma criança castigada que é impedida de ir a uma festa de aniversário e chorou como uma criança. Mas apenas por um instante. Depois, superou e pensou: “Maria quis assim. Fiat sempre” . E ele começou a varrer, esfregar, tirar o pó, encerar, polir e rezar.

Ficou conhecido na Espanha como Ir. Juan Vaccari.

O irmão Giovanni, que nada sabia sobre protocolos, títulos, prioridades, hierarquias e a sociedade mundana, sentiu-se um pouco sobrecarregado. Ele estava ciente de sua falta de jeito. Sentia-se um caipira com botas enlameadas que não ousa pisar nos tapetes. O cardeal deve ter pensado que ele não combinava bem com a suntuosidade do palácio ou com a delicadeza dos modos diplomáticos que eram a norma ali e o demitiu. Dessa forma, como o rosário ao amanhecer, terminou sua temporada no palácio.

Com esse episódio, o Irmão provava mais uma vez o sabor amargo do fracasso, mas estava feliz por voltar para sua amada Barza e aceitou o cálice com fé e serenidade. No entanto, devido a um desses mistérios do coração humano e da Providência Divina, em pouco mais de um ano e meio, o cardeal voltou a necessitar dos seus serviços e o Irmão Giovanni, que via a mão de Deus em tudo, aceitou retornar com toda a humildade do mundo.

Com o passar do tempo, as primeiras doenças sobrevieram ao cardeal, seguindo-se de uma mais longa e dolorosa. Diminuíram as recepções, as audiências, as visitas de autoridades, de políticos e diplomatas. Por outro lado, aumentava a estima do cardeal pelo Irmão Giovanni. A sua devoção, dedicação e humildade comoveram o Bispo Micara e, de certa forma, convidaram-no a imitá-lo e a converter-se. Giovanni Vaccari já não era apenas o encarregado de manter limpos os aposentos privados do cardeal, era também o confidente, o parceiro de oração, o enfermeiro, o companheiro, os ouvidos que escutam e os lábios que se abrem quando se pede conselho. 

Em Roma, ele conheceu de perto o poder, os enfeites, as fofocas, as hipocrisias, as artimanhas, a escassa religiosidade de muitos membros da Cúria e o apego às vaidades e mundanismos das pessoas de batina. O Irmão Giovanni tornou-se a sombra e a bengala em que sua eminência se apoiava, a única em que confiava. Por isso, repetidamente pedia: “Giovanni, me ajude a morrer bem”. E assim ele fazia, até o dia em que testemunhou a morte do cardeal, quando o envolveu e acompanhou seus restos mortais até a igreja de Santa Maria Sopra Minerva.

De Ir. Giovanni para Ir. Juan

Após o falecimento do cardeal, o Irmão Giovanni ficou “sem emprego”. Justamente naquela época, em 1965, iniciava-se o trabalho guanelliano na Espanha, especificamente em um seminário, em Villa de Aguilar de Campoo. Mais uma vez, a obediência o envia. Com um carro carregado de presentes que lhe deram para o trabalho nascente, chega às terras castelhanas. Em um casarão vazio, próximo a uma filial da Pisuerga, a pequena comunidade é instalada provisoriamente, enquanto, aos poucos, a nova escola está sendo construída. O ex-chef volta à cozinha, mas por pouco tempo. Recrutar crianças e adolescentes nas cidades de Valladolid, Palencia, León, Burgos, Santander e Asturias é sua nova tarefa. 

Não sabe falar espanhol, não conhece a história da Espanha, nem o caráter dos espanhóis, mas, vai de cidade em cidade, de escola em escola e de paróquia em paróquia. Apesar de ser incapaz de fazer um discurso convincente, tem um método infalível: a sinceridade que todos podem ler em seu rosto e em sua atitude. Diante de crianças com olhos espantados, joga cartas que os deixam sem palavras, ri com eles, brinca, coloca a boina, pede que rezem juntos uma Ave-Maria, dá-lhes um selo e um distintivo do Fundador, Luis Guanella, e diz que tem uma boa e grande escola esperando por eles. Em cada cidade, encontra um candidato para o Colégio São José. 

As crianças vêem nele um frade feliz, um homem que inspira confiança e proteção. Na Espanha, Irmão Giovanni – que agora é chamado de Irmão Juan -, passa os últimos 6 anos de sua vida, semeando, como agricultor, a semente do sacerdócio na alma de um grande grupo de meninos. Ele não para de trabalhar. Ele não para de orar. Ele não para de buscar recursos entre seus numerosos amigos italianos para as muitas necessidades do novo trabalho na Espanha.

A cada dia que passa, ele pensa mais na morte. Mas esse pensamento, longe de entristecê-lo ou enchê-lo de medo, é um estímulo para exercitar a bondade, multiplicar a dedicação e espalhar a alegria. Brincar luta de boxe, de cabo de guerra ou preparar um ceifador para os alunos eram sua maneira de fazer os outros felizes, e, assim, ele manifestava sua profunda serenidade interior. Mas, ao mesmo tempo, a cada dia que passava, redobrava a oração, a adoração à Eucaristia, a devoção a Maria e a José. Ele vivia intensamente o presente e, ao mesmo tempo, sua alma já começava a voar para o Céu.

Acompanhe a abertura do processo de beatificação do Ir. Giovanni (Juan) Vaccari, realizado no último dia 23 e abril de 2022.

“Dia do Doce”

Na tarde de 9 de outubro de 1971, o agora Irmão Juan voltava ao seu Colégio de Aguilar, depois de um dia de compras em Valladolid e Palencia, na companhia de Irmã Bettina. No alto do Osorno, em uma mudança de altitude, eles se depararam com um carro que fez uma ultrapassagem arriscada. Quando os guardas chegaram ao local, após o acidente, ele pediu que se preocupem com a Irmã Bettina, literalmente esmagada pelas caixas de comida. Assim, eles foram capazes de salvar sua vida. O irmão, algumas horas depois e totalmente consciente, recebia a unção dos enfermos no hospital de Palencia. Ele sabe que está chegando à “estação Termini”, como costumava dizer. Junta as mãos e começa a rezar. Quando seu coração para de bater, sua última Ave Maria é interrompida. Impressionado e altamente edificado, o capelão do hospital assiste aos momentos finais de uma existência de 58 anos.

Durante o funeral, realizado na paróquia de Aguilar, religiosos, estudantes, amigos, parentes e vizinhos de muitos lugares dão rédea solta ao seu pesar, mas também àquela certeza de que encontraram um bom frade que tinha feito o bem. Quando, no final do rito fúnebre, o pároco, Dom Ciriaco Pérez, exclamou “Hoje morreu um santo”, ninguém ficou surpreso. Era a voz que punha em palavras um sentimento geral. Assim como ninguém se surpreendeu que o canto do Ressuscitado o acompanhasse em sua despedida pelas naves góticas da bela Colegiada. Agora, seus restos mortais dormem o sono dos justos na capela de Barza, aos pés do altar da Virgem Maria.

Quando seu testamento foi aberto, eles puderam ler uma frase comovente: “Se no dia da minha morte você encontrar algumas moedas em meus bolsos, peço que compre doces para as crianças com deficiência” . Por isso, todo dia 9 de outubro, no mundo guanelliano, é comemorado o “Dia do Doce”Uma lembrança terna para um homem que foi exemplo de humildade, obediência, alegria e bondade.

Fonte: Província Nossa Senhora de Guadalupe e Ópera Don Guanella

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